Procuram-se estudantes
Além
do mico-leão-dourado e do lobo-guará, outro mamífero tropical parece caminhar
para a extinção
(Thomaz
Wood Jr. — publicado 10/04/2014)
Diz-se
que uma espécie encontra-se ameaçada quando a população decresce a ponto de
situá-la em condição de extinção. Tal processo é fruto da exploração econômica
e do desenvolvimento material, e atinge aves e mamíferos em todo o planeta. Nos
trópicos, esse pode ser o caso dos estudantes. Curiosamente, enquanto a
população de alunos aumenta, a de estudantes parece diminuir. Paradoxo? Parece,
mas talvez não seja.
Aluno
é aquele que atende regularmente a um curso, de qualquer nível, duração ou
especialidade, com a suposta finalidade de adquirir conhecimento ou ter direito
a um título. Já o estudante é um ser autônomo, que busca uma nova competência e
pretende exercê-la, para o seu benefício e da sociedade. O aluno recebe. O
estudante busca. Quando o sistema funciona, todos os alunos tendem a se tornar
estudantes. Quando o sistema falha, eles se divorciam. É o que parece ocorrer
entre nós: enquanto o número de alunos nos ensinos fundamental, médio e
superior cresce, assombram-nos sinais do desaparecimento de estudantes entre as
massas discentes.
Alguns
grupos de estudantes sobrevivem, aqui e acolá, preservados em escolas movidas
por nobres ideais e boas práticas, verdadeiros santuários ecológicos. Sabe-se
da existência de tais grupos nos mais diversos recantos do planeta: na Coreia
do Sul, na Finlândia e até mesmo no Piauí. Entretanto, no mais das vezes, o que
se vêem são alunos, a agir como espectadores passivos de um processo no qual
deveriam atuar como protagonistas, como agentes do aprendizado e do próprio
destino.
Alunos
entram e saem da sala de aula em bandos malemolentes, sentam-se nas carteiras
escolares como no sofá de suas casas, diante da tevê, a aguardar que o show
tenha início. Após 20 minutos, se tanto, vêm o tédio e o sono. Incapazes de se
concentrar, eles espreguiçam e bocejam. Então, recorrem ao iPhone, à internet e
às mídias sociais. Mergulhados nos fragmentos comunicativos do penico digital,
lambuzam-se de interrogações, exclamações e interjeições. Ali o mundo gira e o
tempo voa. Saem de cena deduções matemáticas; descobertas científicas; fatos
históricos e o que mais o plantonista da lousa estiver recitando. Ocupam seu
lugar o resultado do futebol, o programa de quinta-feira e a praia do fim de
semana.
As
razões para o aumento do número de alunos são conhecidas: a expansão dos
ensinos fundamental, médio e superior, ocorrida aos trancos e barrancos, nas
últimas décadas. A qualidade caminhando trôpega, na sombra da quantidade. Já o
processo de extinção dos estudantes suscita muitas especulações e poucas
certezas. Colegas professores, frustrados e desanimados, apontam para o
espírito da época: para eles, o desaparecimento dos estudantes seria o fruto
amargo de uma sociedade doente, que festeja o consumismo e o prazer raso e
imediato, que despreza o conhecimento e celebra a ignorância, e que prefere a
imagem à substância.
Especialistas
de índole crítica advogam que os estudantes estão em extinção porque a própria
escola tornou-se anacrônica, tentando ainda domesticar um público do século XXI
com métodos e conteúdos do século XIX. Múltiplos grupos de interesse, em ação
na educação e cercanias, garantem a fossilização, resistindo a mudanças, por
ideologia de outra era ou pura preguiça. Aqui e acolá, disfarçam o
conservadorismo com aulas-shows, tablets e pedagogia pop. Mudam para que tudo
fique como está.
Outros
observadores apontam um fenômeno que pode ser causa-raiz do processo de
extinção dos estudantes: trata-se da dificuldade que os jovens de hoje
enfrentam para amadurecer e desenvolver-se intelectualmente. A permissividade
criou uma geração mimada, infantilizada e egocêntrica, incapaz de sair da
própria pele e de transcender o próprio umbigo. São crianças eternas, a tomarem
o mundo ao redor como extensão delas próprias, que não conseguem perceber o
outro, mergulhar em outros sistemas de pensamento e articular novas ideias.
Repetem clichês. Tomam como argumentos o que copiam e colam de entradas da
Wikipédia e do que mais encontram nas primeiras linhas do Google. E criticam
seus mestres, incapazes de diverti-los e de fazê-los se sentir bem com eles
próprios. Aprender cansa. Pensar dói.
Procuram-se professores
O mundo precisa de
pensadores críticos e bem informados, mas muitos parecem pouco interessados nas
questões comuns da sociedade (Thomaz
Wood Jr. — publicado 08/03/2014)
Assim
escreveu Nicholas Kristof, jornalista ganhador de dois prêmios Pulitzer, em uma
coluna do New York Times, publicada em 15 de fevereiro: “Alguns dos pensadores
mais inteligentes sobre questões domésticas ou do mundo ao redor são
professores universitários, mas a maioria deles simplesmente não tem
importância nos grandes debates de hoje”. O puxão de orelha veio de longe, mas
a distância não reduz a pertinência, tampouco o efeito.
O
colunista explica que a opinião desses especialistas é frequentemente
desconsiderada por ser “acadêmica”, o que em muitos ambientes equivale a uma
acusação de irrelevância. O preconceito soma-se à conhecida pergunta, “o senhor
trabalha ou só dá aulas?” e reflete o baixo prestígio das atividades de
pesquisa e ensino na sociedade e o que Kristof denomina de anti-intelectualismo
da vida americana. De fato, a ojeriza ou simples preguiça em relação à vida
inteligente é um fenômeno também presente em muitas outras áreas do planeta.
Nos tristes trópicos, grassa há tempos um verdadeiro culto do que é rasteiro,
ligeiro, baixo e vulgar. O fenômeno afeta as falas, as letras, as telas e as
paisagens. Está presente nas atitudes e nos comportamentos. Para parte
considerável da população, em todos os estratos econômicos, pensar dói.
Entretanto,
observa o colunista do NYT, o problema não é que o país tenha marginalizado
seus pensadores, mas que eles marginalizaram a si mesmos, isolando-se nas
torres de marfim das universidades, especializando-se em filigranas e tornando
sua linguagem cada vez menos acessível ao público. O resultado é o isolamento
dos pensadores da vida pública, criando um vazio que é frequentemente
preenchido por oportunistas e pseudointelectuais de pena afiada e garganta
acelerada.
Kristof
argumenta que uma das raízes do problema são os programas de doutorado, que
glorificam o hermetismo e desdenham a audiência e o impacto na sociedade. O
sistema se reproduz de geração para geração de pesquisadores, que são
condicionados pela orientação para publicações e pelo sistema de promoção e
carreira. Durante os anos mais produtivos de suas vidas, acadêmicos dirigem seu
foco e energia ao desenvolvimento de artigos para revistas científicas
ultraespecializadas. Os que “perdem seu tempo” com livros e com artigos de
disseminação, escritos para a “plebe”, são olhados com desdém. O sistema também
cuida de expelir os rebeldes, que não se conformam com a burocracia acadêmica.
Com
isso, multiplicaram-se os periódicos científicos, muitos deles com mais autores
do que leitores. Ao lidar, durante anos, com uma audiência reduzida e
especializada, os pensadores abdicam da possibilidade de comunicar suas ideias
a um público maior e perdem a capacidade de analisar questões mais amplas, de
interesse social.
A
escolha de temas para pesquisa, em muitas áreas, tem pouca ou nenhuma relação
com o que é relevante para a sociedade. Orienta-se, frequentemente, pelas
preferências pessoais e afinidades do pesquisador, e por suas estratégias de
publicação. Pesquisa-se o que pode ser mais fácil de ver no prelo e não o que
importa para o mundo ao redor.
Do
outro lado do Atlântico, a revista britânica The Economist trouxe na coluna
Schumpeter, de 8 de fevereiro, um texto sob o provocativo título: “Quem não
sabe, ensina”. O autor observa que as escolas de negócios foram capturadas pelo
corporativismo acadêmico e se tornaram bandeiras de conveniência para
acadêmicos. Eles dedicam sua existência à publicação de artigos sem valor real,
em periódicos obscuros, que nunca serão lidos por executivos. Firmes no comando
de suas instituições, ocupam postos relevantes, defendem seus interesses e
impedem as mudanças necessárias. Talvez não seja muito diferente em outros
campos do conhecimento, mas é caso paradoxal. Afinal, a Administração é uma
ciência social aplicada.
Kristof
mostra-se triste com a situação, declarando sua admiração pela sabedoria
encontrada nos campi universitários. Deve-se lamentar que, com todos os
recursos de que dispõem, acesso a informação, conhecimento e legitimidade,
professores não ocupem um espaço maior nos debates contemporâneos. Todos
perdemos.
Aristóteles (384 -322 A.C.):
“Aqueles que sabem,
fazem. Aqueles que compreendem, ensinam”.
Aristóteles
colocava os professores em outro foco. Para melhor entender, temos que
distinguir entre “saber” e “compreender”, e entre “fazer” e “ensinar”. Buscando
em dicionário (Michaeli) podemos definir:
Fazer. (lat facere) “Criar; dar existência
ou forma a; produzir”. Consiste em uma ação. Está relacionado com construção,
não sendo abstrato.
Ensinar. (lat insignare) “Instruir sobre;
lecionar.” Podemos dizer que ensinar é uma forma sistemática de transmissão de
conhecimentos, utilizada pelos humanos para instruir e educar seus semelhantes.
Assim, ensino está relacionado com a transmissão do conhecimento e a formação
de pessoas.
Saber. (lat sapere) “Estar informado de,
estar a par, ter conhecimento de; conhecer; ter conhecimento prático de alguma
coisa ou possuir habilidade nela.” Ou seja, é conhecimento estático,
relacionando-se com o momento, com o presente.
Compreender. (comprehendĕre) “Alcançar com a
inteligência; entender; inferir.” Assim, podemos dizer que “compreender” está
além de “saber”. Significa conhecer o “porque” das coisas, a relação causa e
efeito. Tem significado dinâmico, permitindo o que chamamos de generalização,
ou inferência.
Assim,
segundo Aristóteles, quem tem a habilidade de ensinar também está em busca da
compreensão, procurando saber o “porque” das coisas, possibilitando
generalização. Esta possibilidade de generalização permite que coisas novas ou
estranhas sejam entendidas e transformadas, ajudando o ser humano. Por outro
lado, aqueles que estão executando as atividades necessitam de rotinas, para
ter alto desempenho e resultado. Os objetivos de cada um são diferentes.
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