terça-feira, 6 de maio de 2014

ATPC - 14 de abril 2014


Procuram-se estudantes
Além do mico-leão-dourado e do lobo-guará, outro mamífero tropical parece caminhar para a extinção
(Thomaz Wood Jr. — publicado 10/04/2014)
Diz-se que uma espécie encontra-se ameaçada quando a população decresce a ponto de situá-la em condição de extinção. Tal processo é fruto da exploração econômica e do desenvolvimento material, e atinge aves e mamíferos em todo o planeta. Nos trópicos, esse pode ser o caso dos estudantes. Curiosamente, enquanto a população de alunos aumenta, a de estudantes parece diminuir. Paradoxo? Parece, mas talvez não seja.
Aluno é aquele que atende regularmente a um curso, de qualquer nível, duração ou especialidade, com a suposta finalidade de adquirir conhecimento ou ter direito a um título. Já o estudante é um ser autônomo, que busca uma nova competência e pretende exercê-la, para o seu benefício e da sociedade. O aluno recebe. O estudante busca. Quando o sistema funciona, todos os alunos tendem a se tornar estudantes. Quando o sistema falha, eles se divorciam. É o que parece ocorrer entre nós: enquanto o número de alunos nos ensinos fundamental, médio e superior cresce, assombram-nos sinais do desaparecimento de estudantes entre as massas discentes.
Alguns grupos de estudantes sobrevivem, aqui e acolá, preservados em escolas movidas por nobres ideais e boas práticas, verdadeiros santuários ecológicos. Sabe-se da existência de tais grupos nos mais diversos recantos do planeta: na Coreia do Sul, na Finlândia e até mesmo no Piauí. Entretanto, no mais das vezes, o que se vêem são alunos, a agir como espectadores passivos de um processo no qual deveriam atuar como protagonistas, como agentes do aprendizado e do próprio destino.
Alunos entram e saem da sala de aula em bandos malemolentes, sentam-se nas carteiras escolares como no sofá de suas casas, diante da tevê, a aguardar que o show tenha início. Após 20 minutos, se tanto, vêm o tédio e o sono. Incapazes de se concentrar, eles espreguiçam e bocejam. Então, recorrem ao iPhone, à internet e às mídias sociais. Mergulhados nos fragmentos comunicativos do penico digital, lambuzam-se de interrogações, exclamações e interjeições. Ali o mundo gira e o tempo voa. Saem de cena deduções matemáticas; descobertas científicas; fatos históricos e o que mais o plantonista da lousa estiver recitando. Ocupam seu lugar o resultado do futebol, o programa de quinta-feira e a praia do fim de semana.
As razões para o aumento do número de alunos são conhecidas: a expansão dos ensinos fundamental, médio e superior, ocorrida aos trancos e barrancos, nas últimas décadas. A qualidade caminhando trôpega, na sombra da quantidade. Já o processo de extinção dos estudantes suscita muitas especulações e poucas certezas. Colegas professores, frustrados e desanimados, apontam para o espírito da época: para eles, o desaparecimento dos estudantes seria o fruto amargo de uma sociedade doente, que festeja o consumismo e o prazer raso e imediato, que despreza o conhecimento e celebra a ignorância, e que prefere a imagem à substância.
Especialistas de índole crítica advogam que os estudantes estão em extinção porque a própria escola tornou-se anacrônica, tentando ainda domesticar um público do século XXI com métodos e conteúdos do século XIX. Múltiplos grupos de interesse, em ação na educação e cercanias, garantem a fossilização, resistindo a mudanças, por ideologia de outra era ou pura preguiça. Aqui e acolá, disfarçam o conservadorismo com aulas-shows, tablets e pedagogia pop. Mudam para que tudo fique como está.
Outros observadores apontam um fenômeno que pode ser causa-raiz do processo de extinção dos estudantes: trata-se da dificuldade que os jovens de hoje enfrentam para amadurecer e desenvolver-se intelectualmente. A permissividade criou uma geração mimada, infantilizada e egocêntrica, incapaz de sair da própria pele e de transcender o próprio umbigo. São crianças eternas, a tomarem o mundo ao redor como extensão delas próprias, que não conseguem perceber o outro, mergulhar em outros sistemas de pensamento e articular novas ideias. Repetem clichês. Tomam como argumentos o que copiam e colam de entradas da Wikipédia e do que mais encontram nas primeiras linhas do Google. E criticam seus mestres, incapazes de diverti-los e de fazê-los se sentir bem com eles próprios. Aprender cansa. Pensar dói.

Procuram-se professores
O mundo precisa de pensadores críticos e bem informados, mas muitos parecem pouco interessados nas questões comuns da sociedade (Thomaz Wood Jr. — publicado 08/03/2014)
Assim escreveu Nicholas Kristof, jornalista ganhador de dois prêmios Pulitzer, em uma coluna do New York Times, publicada em 15 de fevereiro: “Alguns dos pensadores mais inteligentes sobre questões domésticas ou do mundo ao redor são professores universitários, mas a maioria deles simplesmente não tem importância nos grandes debates de hoje”. O puxão de orelha veio de longe, mas a distância não reduz a pertinência, tampouco o efeito.
O colunista explica que a opinião desses especialistas é frequentemente desconsiderada por ser “acadêmica”, o que em muitos ambientes equivale a uma acusação de irrelevância. O preconceito soma-se à conhecida pergunta, “o senhor trabalha ou só dá aulas?” e reflete o baixo prestígio das atividades de pesquisa e ensino na sociedade e o que Kristof denomina de anti-intelectualismo da vida americana. De fato, a ojeriza ou simples preguiça em relação à vida inteligente é um fenômeno também presente em muitas outras áreas do planeta. Nos tristes trópicos, grassa há tempos um verdadeiro culto do que é rasteiro, ligeiro, baixo e vulgar. O fenômeno afeta as falas, as letras, as telas e as paisagens. Está presente nas atitudes e nos comportamentos. Para parte considerável da população, em todos os estratos econômicos, pensar dói.
Entretanto, observa o colunista do NYT, o problema não é que o país tenha marginalizado seus pensadores, mas que eles marginalizaram a si mesmos, isolando-se nas torres de marfim das universidades, especializando-se em filigranas e tornando sua linguagem cada vez menos acessível ao público. O resultado é o isolamento dos pensadores da vida pública, criando um vazio que é frequentemente preenchido por oportunistas e pseudointelectuais de pena afiada e garganta acelerada.
Kristof argumenta que uma das raízes do problema são os programas de doutorado, que glorificam o hermetismo e desdenham a audiência e o impacto na sociedade. O sistema se reproduz de geração para geração de pesquisadores, que são condicionados pela orientação para publicações e pelo sistema de promoção e carreira. Durante os anos mais produtivos de suas vidas, acadêmicos dirigem seu foco e energia ao desenvolvimento de artigos para revistas científicas ultraespecializadas. Os que “perdem seu tempo” com livros e com artigos de disseminação, escritos para a “plebe”, são olhados com desdém. O sistema também cuida de expelir os rebeldes, que não se conformam com a burocracia acadêmica.
Com isso, multiplicaram-se os periódicos científicos, muitos deles com mais autores do que leitores. Ao lidar, durante anos, com uma audiência reduzida e especializada, os pensadores abdicam da possibilidade de comunicar suas ideias a um público maior e perdem a capacidade de analisar questões mais amplas, de interesse social.
A escolha de temas para pesquisa, em muitas áreas, tem pouca ou nenhuma relação com o que é relevante para a sociedade. Orienta-se, frequentemente, pelas preferências pessoais e afinidades do pesquisador, e por suas estratégias de publicação. Pesquisa-se o que pode ser mais fácil de ver no prelo e não o que importa para o mundo ao redor.
Do outro lado do Atlântico, a revista britânica The Economist trouxe na coluna Schumpeter, de 8 de fevereiro, um texto sob o provocativo título: “Quem não sabe, ensina”. O autor observa que as escolas de negócios foram capturadas pelo corporativismo acadêmico e se tornaram bandeiras de conveniência para acadêmicos. Eles dedicam sua existência à publicação de artigos sem valor real, em periódicos obscuros, que nunca serão lidos por executivos. Firmes no comando de suas instituições, ocupam postos relevantes, defendem seus interesses e impedem as mudanças necessárias. Talvez não seja muito diferente em outros campos do conhecimento, mas é caso paradoxal. Afinal, a Administração é uma ciência social aplicada.
Kristof mostra-se triste com a situação, declarando sua admiração pela sabedoria encontrada nos campi universitários. Deve-se lamentar que, com todos os recursos de que dispõem, acesso a informação, conhecimento e legitimidade, professores não ocupem um espaço maior nos debates contemporâneos. Todos perdemos.
Aristóteles (384 -322 A.C.):
“Aqueles que sabem, fazem. Aqueles que compreendem, ensinam”.
Aristóteles colocava os professores em outro foco. Para melhor entender, temos que distinguir entre “saber” e “compreender”, e entre “fazer” e “ensinar”. Buscando em dicionário (Michaeli) podemos definir:
Fazer. (lat facere) “Criar; dar existência ou forma a; produzir”. Consiste em uma ação. Está relacionado com construção, não sendo abstrato.
Ensinar. (lat insignare) “Instruir sobre; lecionar.” Podemos dizer que ensinar é uma forma sistemática de transmissão de conhecimentos, utilizada pelos humanos para instruir e educar seus semelhantes. Assim, ensino está relacionado com a transmissão do conhecimento e a formação de pessoas.
Saber. (lat sapere) “Estar informado de, estar a par, ter conhecimento de; conhecer; ter conhecimento prático de alguma coisa ou possuir habilidade nela.” Ou seja, é conhecimento estático, relacionando-se com o momento, com o presente.
Compreender. (comprehendĕre) “Alcançar com a inteligência; entender; inferir.” Assim, podemos dizer que “compreender” está além de “saber”. Significa conhecer o “porque” das coisas, a relação causa e efeito. Tem significado dinâmico, permitindo o que chamamos de generalização, ou inferência.

Assim, segundo Aristóteles, quem tem a habilidade de ensinar também está em busca da compreensão, procurando saber o “porque” das coisas, possibilitando generalização. Esta possibilidade de generalização permite que coisas novas ou estranhas sejam entendidas e transformadas, ajudando o ser humano. Por outro lado, aqueles que estão executando as atividades necessitam de rotinas, para ter alto desempenho e resultado. Os objetivos de cada um são diferentes.

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